A última aula foi um balanço, claro, mas teve um truque: foi também uma aula, com exercícios puros e duros e táo úteis quão inúteis (para mim é sempre difícil distinguir).
Nunca sabemos quando tomamos a decisão certa: o segredo está em conseguirmos, com a nossa sábia sabedoria e a nossa luminosa personalidade (o que inclui as idiossincrasias mais chatas),
1. Na fábula da tartaruga e da lebre, podemos (e devemos) ser ambas. É quando estamos a ficar cansados e fartos do nosso trabalho que o novo alento surge. Veja-se o caso dos futebolistas: já não podem com uma gata pelo rabo, estão com os bofes de fora, mas, se por acidente marcam um golo, como o celebram?
Para mim, é a prova de que a alma (animus, anima) existe. O medo dá-nos asas, o amor redobra-nos as forças, a alegria faz com que tenhamos menos acidentes. (Fun fact: durante o Euro 2004, cuja organização foi gabada Europa fora e que até à final nos correu bem, houve menos acidentes rodoviários, segundo o comandante da Brigada de Trânsito da GNR. As pessoas, mais bem dispostas, andavam mais corteses.)
2. Falámos da imagem positiva que o livro ainda tem:
3. Gosto muito desta foto de uma bela livraria, tirada no Cairo em 2011, quando (vaidade, vaidade) por lá estive a dar dois cursos para profissionais sobre a arte de escrever para gerações difíceis:
Curiosamente, em Lisboa há também uma livraria-alfarrabista na qual não podemos entrar (não há espaço), talvez a mais pequena da Europa, mas com belos livros. Fica (descubram) numas escadinhas à esquerda de quem sobe a Rua da Madalena a partir da Praça da Figueira.
4. Vimos
uma entrevista de
Michel Serres, onde o filósofo fala dos três modos de nos mantermos jovens: a cirurgia plástica (cara e pouco eficaz), o desporto ao ar livre (relativamente eficaz mas exigindo sairmos de casa) e o único praticamente gratuito e 100% eficaz, a leitura. E ele recomenda: ler livros difíceis - basta uma página, dez minutos por dia.
A televisão tem problemas fantásticos, mas mastiga a realidade por nós. A leitura implica um esforço intelectual, que é o que de facto nos mantém a pele jovem. 100% garantido.
5. Criticámos uma crónica numa página nobre, a última do Público. Um texto enrolado, complicando desnecessariamente, sem fôlego.
6. Foi distribuído aos alunos presentes (que, surpreendentemente, eram muitos) um sumário incompleto do que fizemos em aula. Mais de vinte exercícios, e aqui deixo os parabéns para quem os fez, mesmo quando não era clara a sua utilidade (ver linhas iniciais deste post). Recordar que os exercícios ganham eficácia quando repetidos, muitos deles a dois (para eu ir à procura da bola, alguém tem de a esconder, para eu dar sentido a um texto confuso, alguém tem de o baralhar primeiro).
7. Mostrei um texto íntimo q.b., comovente, de uma pessoa que perdeu tudo (o amor da sua vida, quando agora é que iam desfrutar) mas escreve com alegria. Há pessoas (referi uma, mas não dei o nome) que são o contrário: mesmo sem desgraças, imaginam que têm uma vida desgraçada e, ao imaginarem, têm mesmo uma vida desgraçada. O inferno são os outros, escreveu Sartre. Também alguém escreveu já que o inferno somos nós mesmos. E ter uma visão enxuta da vida, como tem a minha ex-aluna e agora amiga Madalena, é um luxo:
Deixem-me contar-vos uma história que pode muito bem começar assim:
Era uma vez um mês que se chamava
#Maio e era mágico.
Eu nasci no Estoril e a minha família morava na Linha. Por engano, é claro, porque aquelas paragens não eram próprias para as algibeiras cheias de vento do meu pai. Por causa disso, quando fiz catorze anos, o meu pai arranjou uma casa condicente com o nosso substrato financeiro num bairro operário da margem sul e mudámo-nos – só de bagagens porque nem tínhamos armas – para o Seixal. No dia 1 de Maio de 1970 atravessei pela primeira vez a jovem ponte sobre o Tejo ainda a cheirar a tinta fresca e a usar o nome do outro coiso.
Mal eu adivinhava que três meses antes se mudara para o outro lado da rua, no mesmo bairro, uma família oriunda da Moita e cujo filho mais velho tinha os mesmos catorze anos que eu e mais quinze dias.
O tempo foi passando, eu continuei a estudar, comecei a ganhar dinheiro a dar explicações, fiz amigos, sem que nesse tempo alguma vez me tenha cruzado com o vizinho do lado de lá da rua.
Quatro anos depois, a 1 de maio de 1974, andámos de certeza misturados com os outros milhares de almas que de norte a sul do país vieram para a rua gritar que o povo unido jamais será vencido, mas não demos um pelo outro, coisa que só aconteceria em janeiro seguinte, quando fomos eleitos para o conselho directivo da escola das Cavaquinhas – como ainda hoje muitos conhecem a secundária José Afonso, no Seixal – eu como representante do pessoal administrativo, ele como representante dos alunos nocturnos.
Tornámo-nos amigos. Durante um ano e tal, conversámos sobre tudo e mais um par de botas, rimos, divertimo-nos e fomos deixando nascer e crescer aquele brilhozinho nos olhos.
A 1 de maio de 1976, no regresso a casa depois de um dia de comemorações, já tarde de uma noite serena e de verão, que convidava a roupa leve e a actividades que não levantassem fervura, ele ignorou a meteorologia e pespegou-me um beijo. O primeiro de muitos. Passávamos oficialmente de amigos a namorados.
A vida correu, casámos, vieram os filhos, mudámos de casa três vezes, comprámos o primeiro carro por 300 contos, um Renault 16 azul cueca com mudanças ao volante, fui para a faculdade, licenciei-me, fiz um mestrado, fomos de férias, cultivámos amizades, trabalhámos que nem mouros, endividámo-nos, pagámos as dívidas, ele comprou o primeiro leitor de vídeo num poligrupo, inscrevemo-nos num videoclube, levámos os miúdos à escola, ensinámos-lhes que Abril é para sempre, deixámos de fumar, engordámos, tonámo-nos avós, ficámos órfãos e reformámo-nos.
Passei à situação de reformada a 1 de maio de 2021.
Estávamos a preparar-nos para celebrar os 46 anos de namoro no passado dia 1, mas faltaram-nos 15 dias. O meu antigo vizinho, o meu amigo, o meu amor ficou pelo caminho em Abril e agora terei de celebrar Maio apenas com a sua memória.
E como ele dizia, como alguém lhe ensinara na infância, «e bendito e louvado, está o conto acabado»!
119Tu, José Gois, Cláudia Coimbra e 116 outras pessoas
8. Há uma nova editora no mercado: Zigurate, do novel editor Carlos Vaz Marques. Isabel Coutinho dedicou-lhe uma página no Público.
9. Tivemos ainda três convidados de excelência. Não vieram para me permitir descansar, vieram para partilhar convosco a sua experiência.