Antes de mais, uma declaração de interesses. Sendo luso-brasileiro e vivendo em Portugal há mais de vinte anos, quando venho ao Brasil procuro aquilo que não encontro do outro lado do Atlântico: literatura brasileira. Assim, as minhas opiniões serão sempre toldadas pelas minhas expectativas.
Chego ao Rio Centro. Logo na entrada, um enorme stand de uma companhia de Gás Natural próximo de outro da Petrobrás. Ambos estavam muito bonitos bem concebidos, mas, após o deslumbramento inicial, percebo que as maiores presenças ali não têm nada a ver com livros.
Para a minha sorte, um grupo de música infantil apresenta-se no mesmo palco onde se apresentarão estrelas como Walter Hugo Mãe e Raphael Montes. C’est la vie.
Até por ser uma bienal, estava a espera de mais eventos e de uma espécie de passarela onde as editoras — grandes e pequenas — pudessem desfilar. Vejo apenas uma feira. Penso na de Lisboa — gratuita — e nos quarenta reais que paguei para entrar. Talvez não tenham sido muito bem empregues…
E não foram mesmo. Mesmo enquanto feira, a bienal é um pouco dececionante. Apesar de algumas promoções e de achados interessantes, os preços daquilo que realmente me interessa são os mesmos dos de qualquer livraria de centro comercial.
É deprimente perceber que 90% dos exemplares da feira — sorry, bienal — resume-se a autores estrangeiros — os mais comerciais —, livros baseados filmes ou séries, técnicas de vendas, inteligência emocional e autoajuda.
É ainda mais deprimente perceber que, se fosse editor, quase certamente também estaria a vender as mesmas coisas genéricas... Ó vida... Ó azar...
Enquanto caminho, sinto-me como se tivesse caído na conta de Netflix de outra pessoa: para onde quer que olhe, os mesmos títulos. Ou seja, variedade para quê? Na maioria dos stands, a semelhança dos catálogos é tal que nem me dou ao trabalho de mexer nas prateleiras por já saber o que encontrarei e a que preço.
Percebo que alguns clássicos (Orwell, Poe, irmãs Brontë, Machado de Assis, …) foram editados por 10, 12 editoras diferentes, com capas que vão do mais clássico ao mais moderno. Uma edição de “O Cortiço”, do Aluísio Azevedo, tenta seduzir os dos dias de hoje renomeando o título para “Pensão com Quartos Baratos”. Estou a ficar velho, só pode…
De literatura brasileira, há muito pouco, e o pouco que há passa quase sempre por autores fringe (feminista, negra ou lgbti+) e evangélicos.
Nada contra, eu próprio sou evangélico, mas há algum problema quando a literatura dá lugar aos ensaios e aos tratados. Aliás, boa literatura é ideológica. Mark Twain fez muito mais pela causa do abolicionismo com o seu “Huckleberry Finn” do que muitos discursos políticos.
Enquanto caminho, sinto-me como se tivesse caído na conta de Netflix de outra pessoa: para onde quer que olhe, os mesmos títulos. Ou seja, variedade para quê? Na maioria dos stands, a semelhança dos catálogos é tal que nem me dou ao trabalho de mexer nas prateleiras por já saber o que encontrarei e a que preço.
Percebo que alguns clássicos (Orwell, Poe, irmãs Brontë, Machado de Assis, …) foram editados por 10, 12 editoras diferentes, com capas que vão do mais clássico ao mais moderno. Uma edição de “O Cortiço”, do Aluísio Azevedo, tenta seduzir os dos dias de hoje renomeando o título para “Pensão com Quartos Baratos”. Estou a ficar velho, só pode…
De literatura brasileira, há muito pouco, e o pouco que há passa quase sempre por autores fringe (feminista, negra ou lgbti+) e evangélicos.
Nada contra, eu próprio sou evangélico, mas há algum problema quando a literatura dá lugar aos ensaios e aos tratados. Aliás, boa literatura é ideológica. Mark Twain fez muito mais pela causa do abolicionismo com o seu “Huckleberry Finn” do que muitos discursos políticos.
Sei que a edição é um negócio, mas fico a pensar se já estamos num mundo onde há literatura fast food para as massas, e literatura gourmet só para alguns? Provavelmente esta é uma pergunta estúpida que se responde a si mesma.
Como um à parte, acho interessantemente triste algumas demonstrações de racismo que percebi na cultura tupiniquim. De uma hora para a outra, passou a ser aceitável que uma editora publique só negros, só índios, só %preenchaaquiasuaminoria%, … É bom que haja editoras ideológicas que publiquem uma linha de pensamento, mas que se use a raça como critério de publicação -- ou para qualquer coisa -- é absurdo!
Como um à parte, acho interessantemente triste algumas demonstrações de racismo que percebi na cultura tupiniquim. De uma hora para a outra, passou a ser aceitável que uma editora publique só negros, só índios, só %preenchaaquiasuaminoria%, … É bom que haja editoras ideológicas que publiquem uma linha de pensamento, mas que se use a raça como critério de publicação -- ou para qualquer coisa -- é absurdo!
Conversei com uma amiga sobre isso e ela — muito séria, sem ver qualquer problema — explicou-me que o “racismo inverso” não existe, ou seja, um branco pode ser racista em relação a um negro, mas um negro jamais seria racista em relação a um branco.
Makes a hell of sense! Só me pergunto como nunca percebi isso antes…
Outro ponto que me deixa dececionado é a quase inexistência de novos autores. Sim, eu sei que era óbvio, mas a esperança é a última que morre. Um amigo disse que eu só encontraria o que procurava na feira de Paraty, o que não me consolou.
O ponto mais positivo da Bienal do Livro é que, embora tenha sido “meia-boca”, continua a ser uma festa.
Vi imensa gente ali disposta a usar máscara e a vencer o medo do COVID para procurar algo que muitos insistem afirmar que já morreu. Desde adolescentes até velhos, o lugar estava lotado.
Um senhor que devia ter algum tipo de paralisia muscular, com muita dificuldade e uma muleta em cada mão, ia de stand em stand tentando encontrar o que quer que quisesse encontrar. Se eu fosse jornalista, seria ele quem entrevistaria, mas sou apenas um estudante de edição que teve a sorte de tirar férias numa cidade maravilhosa, com uma bienal do livro que… nem tanto.
Makes a hell of sense! Só me pergunto como nunca percebi isso antes…
Outro ponto que me deixa dececionado é a quase inexistência de novos autores. Sim, eu sei que era óbvio, mas a esperança é a última que morre. Um amigo disse que eu só encontraria o que procurava na feira de Paraty, o que não me consolou.
O ponto mais positivo da Bienal do Livro é que, embora tenha sido “meia-boca”, continua a ser uma festa.
Vi imensa gente ali disposta a usar máscara e a vencer o medo do COVID para procurar algo que muitos insistem afirmar que já morreu. Desde adolescentes até velhos, o lugar estava lotado.
Um senhor que devia ter algum tipo de paralisia muscular, com muita dificuldade e uma muleta em cada mão, ia de stand em stand tentando encontrar o que quer que quisesse encontrar. Se eu fosse jornalista, seria ele quem entrevistaria, mas sou apenas um estudante de edição que teve a sorte de tirar férias numa cidade maravilhosa, com uma bienal do livro que… nem tanto.
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