sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Sumário 2 (30/9)

1. Motes

1.1. Mata o teu dragão logo pela manhã

1.1.1. Resolver logo as tarefas mais complicadas e aborrecidas. Não as adiar. Tarefas que queremos/gostamos de fazer lembram-se sozinhas; as outras tendem a cair num poço sem fundo. 

1.1.2. Uma nota pessoal: tento responder aos pedidos de colaboração neste blog imediatamente. Caso contrário, o risco de entretanto outras tarefas se sobreporem é grande. 

1.2. Tu és o teu cartão de visita

1.2.1. Tudo o que fazemos é informação. Até o modo como estamos vestidos. Somos leitores omnívoros, atribuímos sentido a tudo - mesmo (há quem diga sobretudo) quando não damos conta.

1.2.2. Aplicação: obviamente, atribuí um ponto mental a quem logo na quinta ou na sexta mostrou diligência e enviou logo o mail. Não digo que seja uma leitura justa (é assim que demagogos ganham eleições, desconheço os problemas técnicos que alguns tiveram, posso atribuir uma razão a algo que tem uma explicação simples). A este propósito sugiro a leitura de  "A small, good thing" de Raymond Carver, um autor que revisitaremos no ponto 4.3 do programa. (Encontrei versão em português num blog: «Uma coisinha boa».)

1.2.2.1. A atribuição desse ponto mental é e não é voluntária. Queira ou não, o leitor que sou lê sinais e interpreta-os de acordo com os seus preconceitos e experiência (o outro exemplo na aula, do local onde os alunos se sentam). 

1.3. À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta

1.3.1. Esta frase atribuída a Júlio César exemplifica bem uma coisa muito importante para a edição: a extrema proximidade – ou mesmo co-incidência – entre o ser e o parecer. 

1.3.2. Num texto, forma e conteúdo tendem a ser dificilmente indissociáveis. Num texto literário, são indissociáveis. Num poema, fundem-se até se confundirem.

2. Dia Mundial da Tradução

2.1. Pelo dito no ponto 1.3.2, a tradução fiel é sempre uma impossibilidade, no caso de um texto literário, porque o tradutor fica dividido: ser fiel à forma ou ao conteúdo? E como ser fiel ao conteúdo num texto em que até este é forma e a forma é também conteúdo? 

2.2. Como não «deitar fora o menino com a água do banho»? Voltaremos a falar disto, nomeadamente quando falarmos das traduções radicalmente opostas de sonetos de Camões por dois mestres, Landeg White e Richard Zenith

2.3. Uma aula embutida na aula. O duelo tradutora x máquina de Helena Topa ao vivo no Goethe Institut de Lisboa, lembrando o duelo de Kasparov contra o Deep Blue. 

2.3.1. Conforme previra, a sessão está disponível na página de Facebook do instituto. Divirtam-se. 

2.3.2. Fascinante, para mim, é sempre ver como funciona outra cabeça. Foi isso que generosamente a tradutora Helena Topa fez à nossa frente. Hesitou, divagou, deixou alternativas, optou – mais tarde, há sempre um «mais tarde» essencial em edição, depois de um filme na TV, ou uma noite bem dormida, como diria Meat Loaf – mudará talvez de ideias.

2.3.3. Cada um, nesta área humana, demasiado humana, cria o seu método. Eu sugiro usar negrito ou encarnado para as partes gagas, tal como aproveitar o computador para ir guardando as versões. Nunca se joga fora o bruto, a versão zero! Sugiro uma pasta onde se põe um documento chamado «Versão 1», outro «Versão 2» e assim por diante. 

2.3.4. Quem traduz tem a sua sensibilidade, a sua visão da linguagem a sua experiência. Não há, num texto complexo, duas traduções iguais. A coisa piora, como já foi dito, com textos literários. 

3. Corrupção ou humanidade?

3.1. Vi o colega António Diegues a abanar a cabeça com a escolha de algumas palavras. Faz bem. Eu em aula, situação oral, distorço e digo à minha maneira, não da «maneira certa». Por corrupção entendo, neste caso, uma situação cujo desfecho depende de elementos não objetivos

3.2. Ser contra a corrupção implica uma crença no cumprimento de um conjunto de regras, um juízo potencialmente puro, desguarnecido de influências externas, uma avaliação imune à coisa humana e aos vícios desta: simpatias, antipatias, gosto pessoal, gosto do tempo, educação, personalidade, etc.

3.3. Eu acho esta candura é prejudicial. Na Bíblia nunca encontrei escrito «E Deus enviará uma academia sueca para decidir, ao longo do século XX, uma vez por ano qual é o Melhor Escrito Vivo». Se calhar não procurei bem - aqui fica o desafio, para nota. Do mesmo modo, contesto que seja justo ou interessante num jornal português noticiarem os semifinalistas de um concurso literário inglês. Não compreendo como podem, num mês, os três elementos de um júri ler duzentos originais, não são claros os critérios para publicação ou sequer leitura de manuscrito numa editora, não é evidente como livros pra são aplaudidos ora rejeitados (o Nobel André Gide recusou, enquanto editor, o manuscrito de À la Recherce du Temps Perdu, de Marcel Proust, para mais tarde se arrepender), não é lógico o critério dos meios de comunicação para recensearem um livro.

3.4. Da mesma forma, não entendo a chamada de primeira página no Público para o caso Raquel Varela, um  assunto que ainda nem sequer está resolvido e que não parece ter outro interesse público para além do de apoucar a personagem. Lembrando o ponto 1.3 acima, o que parece não é mas também é. Tal como a reabertura da estação de metro Arroios, após quatro anos de obras, não deveria ter sido no dia mesmo em que a campanha oficial começou. 

3.5. Isto aplica-se, não falámos mas aplica-se, às capas dos livros. 

3.6. A primeira unidade do programa contém uma armadilha. Na verdade, um livro nunca é um livro. Num plano frio, todas as pessoas são iguais. Mas a relação de valor depende do grau de proximidade. 

3.6.1. Porque somos seres morais comovemo-nos com um terramoto no México, mas não tanto como a minha amiga Káttia Hernández, que conheci na feira de Guadalajara (a segunda maior, a seguir a Frankfurt) e embora viva cá tem lá o coração – e a família. 

3.6.2. O valor da pessoa que amamos, se a coisa corre mal, também hecatomba mais rápido que a bolsa de Wall Street em 1929. 

3.6.3. Autor, editor, livreiro implicam relações de valor diferentes. 

3.6.4. E não há «o leitor». Há pessoas reais. Sim, um texto pressupõe um tipo de leitor. Desde logo, pelo código em que está escrito. Mas, como na triste história que contei, snif, nem sempre ao leitor implícito corresponde um leitor real. 

4. Leitura do verbete da Carolina - O que é editar?  

4.1. Algumas dicas editoriais. Primeiro e último parágrafo seriam, para publicar, dispensáveis. Mas a quem cabe a última palavra? (Tema a tratar em próximas aulas.) 

4.2. O verbete não esgota o tema mas tem ideias úteis. E, quiçá, certeiras.  

Editar é... Lembram-se daqueles bonequinhos «Amar é»? Seria interessante brincarmos com isto. Editar é... [Complete]


5. Um paradoxo
Quem não saber tocar vira vocalista da banda. Quem anos depois ficar no lugar para que foi treinado «falhou na vida». Com grande poder vem grande irresponsabilidade. Não há cursos para primeiro-ministro ou presidente. Alguém com mil vezes mais poder (inclusive militar) não é mil vezes mais inteligente. A maioria dos editores não sabe paginar.  


2 comentários:

  1. Para responder à questão, editar é... colocar em confronto e mediar as ideias do autor, a projeção de público-alvo, as expectativas do leitor e os objetivos comerciais do livro, chegando a um consenso, enquanto se gere simultaneamente as emoções de todas as partes envolvidas.

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  2. Para responder à questão colocada pelo professor “Editar é...”, decidi conjugar também
    o meu ponto de vista sobre a entrada 0.1 do programa – O que é editar?

    Esta não é uma questão facilmente respondível, uma vez que estamos perante um conceito bastante abrangente. Quer na área cinematográfica, quer na área da literatura, em termos teóricos, editar é um ato de seleção, produção e análise de um projeto que se pretende publicar. Contudo, no âmbito literário, se encararmos esta noção com um olhar mais crítico e criativo, poderíamos desenvolver um conceito mais interessante e significativo sobre o que é editar, bem como o papel do respetivo editor.

    Afastando-nos da definição tradicional e óbvia, editar um texto jornalístico, um livro ou um artigo de revista, confere ao editor uma autoridade para eliminar, incluir e explorar conteúdos que considere pertinentes e importantes. Isto é, sendo que o editor é o principal responsável por toda a parte textual, é-lhe atribuído um poder de escolha, onde o mesmo possui a ‘última palavra’ no momento da decisão. É, pois, o editor quem deteta o potencial de um autor nas entrelinhas do seu texto, tornando concretizável (ou não) a sua publicação.

    Afirmar que um editor é um agitador de pensamentos/ideias ou um inovador parece-me adequado, uma vez que o editor possui em si o poder para decidir se aquilo que publica vai gerar polémica e ser motivo de discussão, ou se vai ser apenas mais um texto lido, comentado e arrumado numa estante, sem controvérsias. Portanto, o editor, bem como a edição, representam um mecanismo que tem o poder de causar impacto, choque, debate e, acima de tudo, reflexão.

    De uma maneira geral, editar é colocar em confronto o conteúdo do autor e a perspetiva do editor, tendo como objetivo final a produção de um texto que, ao mesmo tempo, satisfaça e faça refletir a público geral.

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